País – A ideia de que usamos apenas 10% do cérebro é antiga e virou até crença popular, exibida em filmes e livros. Muitos até pensam que o cérebro guarda segredos ou até que o uso de 100% do órgão renderia superpoderes. Mas a realidade, segundo especialistas, é bem menos fantasiosa: já usamos 100% do cérebro, todos os dias, só que de uma forma diferente do que imaginamos.
Segundo o neurocirurgião e diretor clínico do Instituto Paulistano de Neurocirurgia e Cirurgia da Coluna Vertebral, Pedro Deja, diferentes áreas do cérebro são utilizadas separadamente ou juntas.
“Elas permitem que a gente coordene tarefas mais ou menos complexas, dependendo do que estamos fazendo. Então, a qualquer momento, podemos estar usando 10, 20, 50, 80 ou 100% da capacidade do cérebro”, afirma o médico.
E o cérebro não ‘desliga’ quando dormimos, diminuindo a capacidade dele. O órgão segue trabalhando, chegando a 100% da capacidade. “Mesmo no sono, áreas como córtex frontal, que controlam o pensamento de alto nível e a autoconsciência, ou as áreas somato-sensoriais, que ajudam a sentir o ambiente ao seu redor, estão ativas. Portanto, as evidências mostram que em um dia, usamos 100% do cérebro”, diz Deja.
Andrea Deis, professora e neurocientista, indica que o cérebro só não funciona simultaneamente para evitar a exaustão. “O órgão divide as funções justamente para evitar gasto de energia”, indica. Ela afirma que exames comprovaram o funcionamento pleno do cérebro até no sono. “Inclusive, estudos de neuroimagens mostram a atividade cerebral ocorrendo em diversas áreas do cérebro, mesmo em repouso”, indica a neurocientista.
De onde surgiu o mito?
A ideia de que apenas 10% do cérebro é utilizado vem do fim do século XIX e começo do século XX, segundo Pedro Deja. “Esse mito surgiu diante das pesquisas sobre o cérebro, o primeiro registro foi em 1936, pela enciclopédia britânica, que fez uma das primeiras menções ao quanto por cento do cérebro utilizamos”, diz.
Para a neurocientista Andrea Deis, o mito teria nascido durante questionamentos sobre o funcionamento do cérebro. “Muitos questionavam como o raciocínio acontecia, como o mundo percebia as emoções e como o corpo respondia a isso, então os cientistas foram procurando respostas para isso e primeiramente, alguns acreditavam que cada área respondia a uma necessidade”, explica.
Andrea também explica que haviam teóricos afirmando que o cérebro funcionava de acordo com a necessidade, e outros indicando que cada área poderia responder por todas as funções cognitivas. Só nos últimos anos que médicos puderam provar que todo o cérebro é utilizado.
“Saber disso só foi possível por exames como a tomografia PET e a ressonância magnética, onde identificamos que áreas do cérebro são utilizadas a partir da irrigação sanguínea. Um exemplo é quando se ouve uma música, a área cerebral utilizada é irrigada de forma mais intensa que as outras”, aponta Deja.
Potencial não é 100% utilizado
Apesar de usarmos totalmente o cérebro, o potencial dele não é 100% alcançado. Mas longe dos superpoderes, o órgão pode ser desenvolvido a aprender melhor e as áreas melhor treinadas. Andrea explica que o cérebro é complexo e pode ser explorado.
“Há várias formas de explorar o potencial, como usando a neuroplasticidade, com novos aprendizados e estimulação mental. Então com o autoconhecimento, prática de mindfulness, jogos de memória e atividades para expandir a capacidade de atenção, memória, ajudam a ampliar o potencial do cérebro”, indica.
Mas desenvolver o potencial do cérebro necessita de hábitos saudáveis. “Não adianta estimular todo o potencial do cérebro, se você não tem hábitos saudáveis. O esporte potencializa áreas do cérebro, a alimentação também é importante e ter cuidado com as restrições na dieta, que podem tirar o potencial cerebral”, pontua a professora.
O neurocirurgião Pedro Deja segue na mesma linha, pontuando que aprender é a melhor forma de utilizar 100% do potencial cerebral. “A principal forma de desbloquear novas habilidades é o estudo e dedicação. Sem uma fórmula mágica, é preciso que o órgão seja estimulado para ter o máximo potencial em recursos mentais e físicos”, afirma.