Manaus (AM) – Já é tempo de Olimpíadas na Amazônia. Do lado de cá do Atlântico, há milhares de quilômetros de Paris e quase um ano antes da data marcada no calendário internacional, no estado do Amazonas, centenas de crianças e adolescentes ribeirinhos viveram sua própria versão do maior evento esportivo do planeta.
A comunidade de Porto Braga, situada às margens do Rio Solimões, transformou-se em uma verdadeira Vila Olímpica. No lugar de aviões, barcos transportaram as delegações de jovens atletas. O campo local, feito para as rotineiras partidas de futebol, foi convertido em arena poliesportiva, onde conviveram as mais diversas modalidades, da queimada ao arco e flecha.
As Olimpíadas da Juventude da Floresta foram realizadas pela primeira vez nessa parte do município de Uarini, distante a 733 quilômetros de Manaus, entre os dias 4 e 6 de agosto. Ao todo, em torno de 300 pessoas e 41 comunidades ribeirinhas participaram das atividades. A iniciativa, que estimula a prática esportiva entre crianças e adolescentes, é uma organização da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).
Como o nome sugere, as Olimpíadas da Juventude da Floresta têm inspiração em sua irmã mais velha: as Olimpíadas da Era Moderna, que, com raras exceções durante a história, acontecem a cada quatro anos sempre em um país diferente. Já na edição amazônica dos jogos olímpicos, comunidades e municípios amazonenses são os anfitriões dos eventos desenvolvidos pela FAS por meio do projeto “Desenvolvimento Integral de Crianças e Adolescentes Ribeirinhas da Amazônia” (Dicara).
As Olimpíadas marcam um dos pontos altos do projeto, que promove ações educativas, culturais e de lazer para jovens que vivem em interiores e áreas periféricas, onde a cobertura do sistema público de educação é precária. O objetivo é contribuir com o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes amazônidas por meio do acesso à direitos, do fortalecimento da autonomia e autoestima e do reconhecimento sociocultural.
“O projeto realiza o atendimento a jovens na Amazônia, desde a primeira infância até quase a vida adulta, com oficinas socioeducativas, visitas domiciliares e momentos de integração social, como o Encontro de Jovens Líderes e as Olimpíadas da Floresta. Com esse conjunto de atividades, trabalhamos questões de cidadania, como o conhecimento dos direitos, deveres, o convívio com o outro e o cuidado com o ambiente”, explica Avana Franco, educadora social e responsável pelo projeto em Uarini.
Preparo e empenho olímpicos
Sete modalidades integraram essa edição das Olimpíadas da Juventude da Floresta: corrida de 100 metros, corrida de saco, cabo de guerra, arco e flecha, queimada, vôlei e futebol (um oitavo esporte, a canoagem, não entrou na programação devido à época seca nessa parte da Amazônia).
Organizada em oito delegações (“Cablocos”, “Gaviões da Floresta”, “Japiim”, “Kokama”, “Pirarucu”, “Ribeirinhos”, “Rosilda” e “Tambaqui”), a juventude representante das 41 comunidades e um bairro da periferia de Uarini competiu em categorias individuais e coletivas.
Copa do Mundo. Campeonato Brasileiro. Liga dos Campões. Esqueça. Por meses, para uma multidão de jovens da Amazônia não houve compromisso esportivo mais aguardado, nem tão importante quanto as Olimpíadas da Juventude da Floresta. Não importa se estão longe dos holofotes e da atenção da mídia, durante três dias de programação essas meninas e meninos são protagonistas, atletas capazes dos maiores feitos para levar a vitória para suas famílias e comunidades.
Realizações olímpicas como acertar o centro do alvo em uma das primeiras tentativas na competição de arco e flecha: “Pra mim, foi uma surpresa ganhar, porque eu não tinha experiência com o esporte antes”, revela Eloá Diane, 14 anos, moradora da comunidade Nossa Senhora de Fátima e atleta do polo Gaviões da Floresta que ganhou uma medalha de ouro na modalidade. “Vai ser bom voltar pra comunidade com essa medalha, porque, pra nós, nunca tinha surgido uma oportunidade desse tipo e quando surge e a gente ganha, acho que todo mundo vai ficar contente”.
Ou marcar um gol em sua estreia como atacante: “Eu estou muito feliz que eu fiz um gol. Foi bom, é a primeira vez que eu tô jogando”, conta Maria Laíne de Oliveira, 13 anos. “Eu sou do polo Ribeirinho e essa foi uma oportunidade pra eu jogar no time. Eu jogo futebol na comunidade, mas essa posição de atacante foi nova pra mim. Não esperava fazer o gol, me senti alegre”.
Até chegar nas Olimpíadas da Floresta, cada jovem atleta passou por meses de preparação com professores, mães e pais, treinadoras e treinadores indicados pelas próprias comunidades. “A FAS realizou oficinas esportivas pra capacitar esses técnicos voluntários para que eles pudessem treinar as suas equipes em todas as modalidades olímpicas envolvidas no projeto”, informa Avana Franco.
O treinamento tornou-se parte da rotina dos jovens, que se dedicaram semanalmente ao programa de exercícios em paralelo às disciplinas em sala de aula. “Nós treinávamos todo sábado e domingo, a partir das 8h até às 10h da manhã. Os professores falavam como ia ser aqui, daí a gente treinava arco e flecha, vôlei, futebol, queimada”, diz Katlen Alves, 17 anos, jovem da comunidade Campo Novo.
“A preparação foi forte, eu acordava seis horas da manhã para ir treinar na quadra, acabava às 9h”, lembra Kleyton Silva, 16 anos, morador do Bairro Verde em Uarini.
Para os professores envolvidos no projeto, os treinos desempenharam um papel importante em uma mudança de mentalidade e foco para os atletas.
“A escola em que eu ensino faz parte uma comunidade muito carente, nas redondezas existe muito consumo de drogas. A Olimpíadas da Floresta fez com que esses estudantes abstraíssem do mundo lá fora para se conectar com a atividade esportiva. O esporte é importante não somente para qualidade de vida dos jovens, mas também ajuda esses alunos a saírem desse contexto, fazendo com que eles foquem nos exercícios”, conta Luana Freitas, professora de Educação Física na Escola Municipal Rosilda Lima na sede municipal de Uarini.
“O esporte traz diversos benefícios para esses meninos e meninas, a partir do esporte nós entramos na vida desses jovens, ofertamos a eles momentos de lazer e, a partir disso, lições em respeito, companheirismo, a comunhão com o outro e a competitividade de forma honesta e saudável”, resume Enoque Ventura, supervisor de projetos do Subprograma de Primeira Infância Ribeirinha da FAS.
Ao final de dois dias de competições, o polo “Japiim” foi classificado em primeiro lugar, seguido do polo “Pirarucu”, em segundo, e “Ribeirinhos”, em terceiro. Além das medalhas recebidas pelos atletas por provas e esportes, esses polos levaram para casa troféus de acordo com a somatória de vitórias e outros critérios, como espírito esportivo e união.
Conquistas que não se contam em medalhas
Fora das quatro linhas das quadras, um time de pessoas e organizações esteve unido para fazer das Olimpíadas da Juventude da Floresta mais que um momento esportivo. Além de promover um encontro de culturas e povos ribeirinhos nessa região da Amazônia, um evento foi um catalisador de benefícios sociais para Porto Braga e as comunidades do entorno.
Mobilizados em um mutirão, em poucos dias que antecederam os jogos olímpicos, os moradores de Porto Braga montaram uma estrutura móvel e sustentável de arquibancadas e um palco feitos com madeira local bem no centro da comunidade. O sistema servirá ao fortalecimento e união comunitária para os próximos encontros e festividades da região.
Uma rede de instituições também contribui com o evento, fornecendo segurança, via o efetivo da Guarda Civil de Uarini; atendimento de saúde, através de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) flutuante à disposição 24 horas com vacinação e consultas médicas e odontológicas durante os dias de competição; e assistência social aos jovens, com a presença de representantes do Conselho Tutelar e do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Uarini.
Em parceria com a prefeitura do município, as Olimpíadas estimularam a instalação de um sistema de tratamento de água do rio, Salta-Z, que a partir de agora estará a serviço da comunidade. “Isso é muito importante porque ajuda não só Porto Braga, mas toda a área do entorno, que pode ter acesso a esses benefícios. As Olimpíadas da Floresta sempre são planejadas de forma a deixar um legado positivo nos lugares em que são realizadas, além do bem-estar e do exemplo pelo esporte, mas também estruturas e uma rede de atendimento que auxilie não só os jovens, mas todas as pessoas”, afirma a educadora social da FAS.
“As Olimpíadas são um evento construído por muitas mãos e parceiros”, reforça Ademar Cruz, coordenador de Articulação Institucional da FAS. “Temos muito agradecer a colaboração com prefeituras, associações e comunidades e financiadores. Com a ajuda deles, nós como FAS, estamos contribuindo com a formação de cidadãos para o futuro dessa comunidade e de várias comunidades que estão aqui representadas, em um processo de educação e cidadania”.
As Olimpíadas da Juventude da Floresta em Porto Braga contaram com o financiamento da Unilever e apoio do Governo do Estado do Amazonas, Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Prefeitura Municipal de Uarini, Secretarias Municipais de Educação, de Saúde e Cultura, Conselho Tutelar, Guarda Civil, CMDCA e Associação de Moradores e Usuários da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Antônio Martins (AMURMAM).