Manaus (AM) – A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) está articulando com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) uma cooperação técnica que deve acelerar o processo de licenciamento dos flutuantes do Tarumã-Açu que funcionam apenas como moradias. A DPE-AM obteve uma liminar na Justiça que suspendeu a ordem de retirada de todos os flutuantes da região e montou um Grupo de Trabalho (GT) para acompanhar o caso.
A parceria foi alinhada pela defensora pública Elânia Nascimento, integrante do GT, com gerente de Recursos Hídricos do Ipaam, Daniel Nava, na terça-feira (23), após uma reunião em que o órgão ambiental fez esclarecimentos a respeito da retomada do processo de licenciamento de flutuantes, que estava suspenso por força de uma resolução de 2022 do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), derrubada por decisão do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) a pedido de uma associação.
Contudo, as explanações foram direcionadas principalmente para os flutuantes comerciais. “Daí, então, a necessidade de fazer um trabalho específico para os flutuantes que são apenas moradias, cujo licenciamento é mais simplificado”, explicou Elânia Nascimento. A data da reunião com os moradores deve ser divulgada nos próximos dias.
A presidente da Associação de Moradores da Marina do Davi, Sara Guedes, disse que a comunidade precisa justamente de “um norte” para saber por onde iniciar a regularização de seus flutuantes.
“Por muitos anos, a maioria dos moradores não conseguiu se regularizar porque não sabia por onde começar, não sabiam qual documentação de fato precisariam. Hoje, a gente sabe que a Licença Ambiental não se aplica a morador. Então, é isso que a gente quer: os documentos que são necessários. Essa reunião que está acontecendo hoje já dá uma esperança muito grande para essas famílias. Nós vemos que podemos nos regularizar”, observou.
Segundo a líder comunitária, outro empecilho para a regularização é o alto custo das estações de tratamento de esgoto (ETE). Sara Guedes contou que na Marina do Davi apenas 10% dos moradores conseguiram comprar suas ETEs. “Na Marina do Davi, são 58 flutuantes moradias. Às vezes, residem duas ou três famílias no mesmo flutuante. E pouquíssimas pessoas conseguiram comprar sua estação de tratamento pelo valor muito alto, uma média de R$ 3,5 mil”, disse.
Linha de financiamento para ETEs
Durante a reunião, o deputado estadual Sinésio Campos anunciou que a Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam) deve abrir uma linha crédito de até R$ 5 mil para que os donos de flutuantes que ainda não possuem possam financiar a instalação de suas ETEs, requisito para a emissão da Licença de Operação.
“Entramos em contato com a Afeam e isso será resolvido, ou seja, eles terão uma linha de financiamento”, disse o parlamentar. “Também foi sugerida aqui a adoção de algumas boas práticas dos flutuantes da questão ambiental. Eu creio que, com isso, ganha muito a questão da bacia do Tarumã, diferentemente do que estamos presenciando o abandono de descaso que aconteceu ali nos Educandos, no Amarelinho e também na Ponta Branca. O que estamos antecipando no Tarumã é o Estado chegar antes da deterioração do meio ambiente”, complementou.
Retomada do licenciamento e novo ordenamento
O diretor-presidente do Ipaam, Juliano Valente, explicou que após a derrubada da resolução que impedia novos licenciamentos órgão iniciou, na última segunda-feira (22), um chamamento aos interessados para que façam seus requerimentos. A chamada resultou na reunião, que aconteceu no auditório do instituto.
“O que fizemos aqui hoje foi deixar claro, transparente, de forma pública quais os requisitos serão necessários para licenciar, para que ninguém seja pego de surpresa. O que nós queremos é propor é o ordenamento daquele espaço”, declarou.
O plano de ordenamento deve dividir os flutuantes em pelo menos sete tipos diferentes e cada tipo terá requisitos próprios a serem cumpridos para receber as licenças. Um requisito comum a todos deverá ser o cuidado com o recurso hídrico. “Todos estão em cima d’água, logo o principal cuidado que vai ter que ter é exatamente com esse bem. Então, tudo que gerar de resíduo e de dejeto humano terá que ter um cuidado. Por isso, estação de tratamento é um desses requisitos, além da adequação aos órgãos de fiscalização, como Marinha, Prefeitura e até o próprio Ipaam nos casos em que forem necessários”, destacou Juliano Valente.
A equipe do Governo do Estado e a Comissão de Geodiversidade, Recursos Hídricos, Minas, Gás, Energia e Saneamento da Assembleia Legislativa trabalham na elaboração de um projeto de lei que deve criar mecanismos que complementem a legislação estadual atual sobre gestão de recursos hídricos, adiantou o diretor-presidente do Ipaam.
“Nós vamos propor a complementação de alguns requisitos que não são claros. No Estado do Amazonas, por exemplo, não tem um órgão que cuide da lâmina d’água, ou seja, do uso da lâmina d’água. No caso da União, existe que é SPU, a Secretaria do Patrimônio da União, que cuida, estabelece a fiscalização, os requisitos, as taxas, cobrança, tudo mais. A legislação estadual vai ser reformulada para deixar mais claro quais são o que é necessário para o licenciamento das embarcações”, explicou.
Atuação da Defensoria e a ordem de retirada
A defensora Elânia Nascimento explicou que a DPE-AM montou um Grupo de Trabalho com defensores de diferentes áreas para atuar em relação aos flutuantes do Tarumã-Açu. “Eu faço parte do Meio Ambiente e Direitos Humanos, mas o GT tem colegas que são das áreas da moradia, mulheres, infância e juventude, questões relacionadas ao consumo e todos nós estamos olhando esses diferentes tipos de interesses”, disse.
“Sabemos que há uma série de comércios ali, que isso é importante para população porque gera renda, gera empregos e como também há um interesse de quem reside no Tarumã, dos flutuantes que são residências, que ali trabalham, que tem requisitos distintos para que se regularizem. A Defensoria Pública está atuando nesses diferentes tipos de segmentos dos flutuantes”, acrescentou a defensora.
Na tarde de segunda-feira (22), o GT deu prosseguimento ao calendário de visitas ao rio Tarumã-Açu, em Manaus. O defensor público Christiano Pinheiro, do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), esteve no local para fazer um mapeamento prévio da cadeia de consumo existente na região, alvo de uma decisão judicial que determinou a retirada dos flutuantes do local.
A ordem de retirada dos flutuantes ocupados foi suspensa liminarmente no dia 20 de março pelo juiz do caso, Glen Hudson Paulain Machado, da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Manaus, a pedido da DPE-AM, que apontou nulidades no processo, cujo cumprimento da sentença estava marcado para acontecer ainda em março.
O processo que culminou na ordem de retirada é uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada em 2001 pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM) contra, à época, o Município de Manaus e 74 proprietários de flutuantes situados às margens dos rios da capital.
A ação fundamentava-se em preocupação com o estágio de degradação dos mananciais que circundam o Município, e com os prejuízos ambientais atribuídos à proliferação dos flutuantes na região.
A Defensoria foi procurada por pessoas que moram e trabalham em flutuantes e que não foram ouvidas no processo. A instituição entrou na causa como Custos Vulnerabilis.