Brasil – A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal rejeitou, por unanimidade, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, conhecida como ‘PEC da Blindagem’. A decisão foi tomada nesta quarta-feira, 24/9, após a aprovação do parecer contrário apresentado pelo relator da matéria, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
Todos os 27 senadores membros da comissão votaram pela completa rejeição da proposta. Embora a rejeição unânime em um colegiado com competência terminativa, como a CCJ, normalmente leve ao arquivamento de uma matéria, o presidente da comissão, senador Otto Alencar (PSD-BA), anunciou que o texto seguirá para o Plenário da Casa para que a deliberação seja estendida a todos os 81 senadores.
O acordo para a votação em Plenário foi feito com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para que o texto seja “encerrado hoje e, sem dúvida nenhuma, rejeitado“, conforme declarou o senador Otto Alencar.
A Unanimidade na CCJ
O resultado da votação na CCJ, que registrou 27 votos a zero, refletiu o parecer do relator, senador Alessandro Vieira, que se manifestou pela rejeição da proposta em seu relatório apresentado na véspera, 23/9. O senador argumentou que a PEC sofria de um “vício insanável de desvio de finalidade”, uma vez que seu objetivo real não seria a proteção do exercício da atividade parlamentar, mas sim “os anseios escusos de figuras públicas que pretendem impedir ou, ao menos, retardar, investigações criminais”.
Em seu parecer, Vieira qualificou a proposta como um “golpe fatal na legitimidade do Congresso” e que ela “configura portas abertas para a transformação do Legislativo em abrigo seguro para criminosos de todos os tipos”.
A votação unânime da CCJ, em contraste com a aprovação majoritária na Câmara dos Deputados, reflete a resposta do Senado à ampla oposição política e social que a proposta gerou.
Manifestações contra a PEC foram realizadas em todas as capitais do país no domingo anterior à votação, e líderes políticos, como governadores, declararam publicamente que a proposta representava um “divórcio do Congresso Nacional com o povo brasileiro” e que era um “erro que deve ser derrubado pelo Senado”.
Propostas da ‘PEC da Blindagem’
A PEC 3/2021, aprovada na Câmara dos Deputados, buscava alterar a Constituição para estabelecer novas proteções legais para parlamentares. O principal objetivo da matéria era exigir autorização prévia da Câmara ou do Senado para que uma ação penal fosse aberta contra deputados e senadores. Essa deliberação sobre a autorização deveria ocorrer por meio de voto secreto. Além disso, a proposta expandia o foro por prerrogativa de função para presidentes de partidos políticos que possuíssem assento no Congresso. A proposta, que ficou conhecida publicamente como “PEC da Bandidagem”, foi alvo de protestos massivos.
As principais disposições da PEC podem ser resumidas da seguinte forma:
Jornada da Proposta: Da Câmara ao Senado
A rejeição na CCJ do Senado marca um ponto de virada dramático no processo legislativo da PEC, que teve uma trajetória de aprovação tranquila na Câmara dos Deputados. O texto foi aprovado em dois turnos pelo Plenário da Câmara na semana anterior, na noite de terça-feira, 16/9.
No primeiro turno, a PEC foi aprovada por 353 votos, superando com folga o mínimo de 308 votos necessários. A votação do segundo turno também teve um resultado expressivo, com 344 votos a favor. A aprovação na Câmara ocorreu com o apoio da maioria dos líderes partidários.
A ampla margem de aprovação na Câmara dos Deputados foi o estopim para a reação da opinião pública e de setores da sociedade civil. A súbita e massiva oposição à proposta, materializada em manifestações e críticas de figuras públicas e governadores, transformou o cenário político antes da chegada da PEC ao Senado. A aprovação da matéria na Câmara, vista por opositores como um “convite para o crime organizado entrar no Congresso”, colocou a Casa Alta sob a responsabilidade de agir como uma espécie de instância revisora, capaz de “corrigir o erro da Câmara”.
Essa dinâmica de contraste entre as duas Casas se tornou o ponto central da narrativa pública, criando as condições para que a PEC, que se esperava ser rejeitada, fosse na verdade unanimemente rejeitada em sua primeira comissão.
Argumentos da CCJ
Os argumentos para a rejeição da PEC na CCJ foram baseados em questões de constitucionalidade e legitimidade. O relator Alessandro Vieira defendeu que a proposta é inconstitucional e um “gigantesco passo atrás” na luta da sociedade contra a impunidade. Ele afirmou que o projeto, que formalmente se apresenta como uma defesa do Parlamento, na prática, serviria para “proteger bandido, desde que ele seja parlamentar ou presidente de partido”.
O relator também ressaltou que a Constituição já oferece mecanismos suficientes para coibir perseguições, permitindo que a Casa Legislativa sustenha um processo já instaurado por meio de voto público, o que tornaria desnecessário e inadequado o aumento de proteções.
O argumento de que a PEC criaria um “abrigo seguro para criminosos” é corroborado por dados históricos do período em que um regime de imunidade similar esteve em vigor. De 1988 a 2001, quando a Constituição exigia licença prévia do Congresso para a abertura de ações penais contra parlamentares, a Câmara dos Deputados autorizou apenas uma das 217 solicitações de processo criminal enviadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Durante esse período de 13 anos, a maioria dos pedidos foi arquivada ou prescreveu sem qualquer deliberação. A única ação autorizada foi contra o então deputado Jabes Rabelo. Esse histórico fático sustenta a alegação de que o regime que a PEC buscava restaurar é, na prática, um mecanismo de impunidade.
Motivações da PEC
A PEC da Blindagem, cujo texto original foi apresentado em 2021 pelo então deputado Celso Sabino, teve como justificativa formal a intenção de fortalecer o Estado Democrático de Direito e o exercício do mandato parlamentar, após a prisão do então deputado Daniel Silveira. No entanto, a aprovação da proposta na Câmara dos Deputados ocorreu em um contexto de investigações em curso sobre corrupção no uso das emendas parlamentares.
Organizações da sociedade civil, como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), manifestaram-se contra a PEC, denunciando que ela fortalecia a impunidade, sobretudo “ao admitir o voto secreto em decisões que tratam da responsabilização de parlamentares”.
Luciano Santos, diretor do MCCE, afirmou que a proposta era uma busca por “blindagem por conta dessas investigações sobre as emendas”, que nos últimos anos têm sido alvo de operações da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal.
Aproximadamente 12 parlamentares sob investigação no STF votaram a favor da PEC na Câmara, o que sugere que as motivações para a proposta podem ter se estendido além da defesa abstrata das prerrogativas parlamentares, envolvendo também interesses diretos em impedir ou retardar investigações criminais.
A articulação da PEC, apoiada por setores da oposição e por uma parte da base governista, se deu no momento em que as investigações de corrupção sobre o uso de emendas parlamentares ganhavam destaque.
Futuro da proposta
Apesar da rejeição unânime da PEC pela CCJ, o texto não será arquivado de imediato. O regimento interno do Senado prevê que uma matéria rejeitada por unanimidade na comissão seja arquivada, mas um acordo entre as lideranças da Casa alterou o procedimento.
O presidente da CCJ, Otto Alencar, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, combinaram de levar o parecer pela rejeição ao Plenário para que a proposta seja definitivamente “enterrada” com o voto de todos os senadores. Esta medida adicional e simbólica serve para reforçar a posição do Senado e ratificar a decisão da comissão em um palco mais amplo.